quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Black Gold - The Movie: Pensar não é o mesmo que Parar

O filme "Black Gold" foi lançado em 2006, e circulou pelo Brasil na Mostra de Cinema de São Paulo. Ainda não tive a chance de vê-lo, portanto, não é exatamente sobre esse documentário que escrevo aqui. Quero apenas compartilhar algumas reflexões que têm frequentado meus pensamentos desde que vi o trailer [abaixo] e li os comentários que se seguiam a ele no youtube.
Esses comentários variavam de "por isso que não tomo café" até "por que sempre que há algo de bom alguém precisa jogar um balde de água fria?". Isso, é claro, fez-me pensar. Sim, esse blog é dedicado ao amor pelo café, a todo o universo gastronômico, culural, estético e simbólico que está a seu redor. Então, pode parecer um pouco despropositado trazer para esse espaço considerações de natureza mais crítica, convidar os leitores a pensar no lado duro da história. Mas, por mais despropositado que isso pareça, resolvi enfrentar a questão. Vejamos. A primeira consideração a ser feita, é essa: embora ainda não tenha assistido, não tenho dúvidas de que esse documentário já traz consigo o grande mérito de trazer para o debate público uma questão tão relevante, que se aplica também ao caso do café, mas não apenas a isto: todas as coisas que chegam até nós, a não ser aquelas oriundas diretamente da natureza,[ou seja, a chuva que cai na cabeça, o ar que entra pelos pulmoes, e mais umas poucas coisas não mediadas pelas mãos humanas, são fruto do trabalho. Isto é, têm um valor, um valor incorporado nelas que em virtude desse trabalho. E a história da humanidade, desde sempre, tem sido a história da dominação, da apropriação do trabalho alheio. Ou seja... não falo de outra coisa a não ser da teoria do valor trabalho de Marx. Assim foi em toda civilização, assim foi com a cana de açúcar no Brasil, que dependia da mão de obra suada e sofrida dos escravos. Sim, a humanidade é extremamente lenta em seu processo de aprendizado, e muitas vezes as mudanças acontecem por razões que não necessariamente brotam imediatamente da consciência moral. No caso da cana de açúcar: o trabalho escravo passou não apenas a ser proibido legalmente, mas passou a ser repudiado pela consciência moral média [agora passamos de Marx para Durkheim...] - no entanto, ninguém disse que, dado que a produção do açúcar estava intrinsecamente ligada à mão de obra escrava, dever-se-ia parar de consumir açúcar. A questão que se impunha e continua a se impor é a de encontrar formas cada vez mais justas de produção desse bem. Agora não dá pra entrar no mérito da questão sobre o que é justo ou não, de quais as estratégias que diminuem a desigualdade, etc., coisa que estaria num nível de discussão da economia ou da sociologia econômica [que não é a minha área]. Fico mais nas questões, digamos, filosóficas do problema. O que quero dizer, é que o mesmo se aplica ao caso da produção do café [aliás, pensemos também que algo semelhante ocorre com a produção de cacau, com a extração de diamantes, etc.]. Fechar os olhos para a questão não a faz desaparecer. Deixar de tomar café não trará o bem-estar material que os produtores de café necessitam. Qual a solução do problema? Gostaria de saber, mas não sei. Claro que a idéia do projeto de "Fair Trade" [no próximo post trarei mais informações sobre isso] parece apontar para um caminho mais interessante, muito embora com grande freqüências as idéias costumem ser mais interessantes e mais justas do que a prática. Mas já são um começo.
Contudo, onde é que quero chegar afinal de contas? Em primeiro lugar, a uma defesa da proposta do documentário: o primeiro passo para a superação de qualquer injustiça é mostrar que ela existe, fazer com que a consciência moral da sociedade humana a sinta como uma injustiça. Tornar público um problema é a condição primeira para tentar superá-lo. Este é o papel crucial desse documentário e de todos os esforços concentrados nessa direção. Em segundo lugar, deixo de lado a questão da crítica e da importância da esfera pública na formação da consciência moral, para uma outra questão, menos ética, talvez mais estética não sei. O café foi, é, e continuará sendo objeto de desejo. Quanto mais se desejar um excelente café, tanto mais isso indicará um aprimoramento de nossos gostos. E acima de tudo, queria concluir com o seguinte: que sentido teria a vida, que sentido teria a abundância de bens materiais, se nossas vidas não fossem pontilhadas por esses pequeninos grandes prazeres, sejam estes assistir um filme, dar risadas, estar na companhia das pessoas que amamos, viajar num livro, ou beber uma pequena xícara com uma densa espuma de um perfumado café? Se isso é tão importante pra nós, que seja igualmente valorizado o trabalho daqueles que tornam esse prazer possível.

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